Menina que resistiu a estupro no século passado, ‘heroína da castidade’ pode virar santa no Ceará!
José Marques, de
Santana do Cariri (CE) | 16/06/2016
Benigna Cardoso
da Silva tinha 13 anos quando foi assassinada em Santana do Cariri (CE) ao
resistir a um estupro. O crime aconteceu em 1941 e chocou a cidade. Desde
então, os moradores passaram a considerar a menina como mártir e a fazer
pedidos e promessas em seu nome.
Hoje, Benigna
tem o título de “Serva de Deus” pelo Vaticano e seu processo de beatificação é
intermediado pela Diocese do Crato, cidade vizinha.
O agressor tinha
16 anos e havia pedido a menina em namoro mais de uma vez. Um dia, quando Benigna
voltava para casa com uma cacimba de água, ele a abordou, tentou violentá-la e
a matou a golpes de facão.
Como não chegou
a ter relação sexual, prevaleceu na cidade a interpretação de que ela morreu
para não perder a virgindade. A garota era conhecida por ser muito religiosa.
Em campanha para
que ela se torne santa, a igreja local a classifica como “heroína da
castidade”.
“Ela sofreu uma
violência, mas no contexto religioso a interpretação do pecado vem em primeiro
lugar”, afirma o padre Paulo Lemos Pereira, responsável pela paróquia do
município. O chanceler da cúria diocesana do Crato, Armando Rafael, também
defende essa versão: “Foi para defender sua pureza que ela preferiu morrer”.
Como a diocese
entende que Benigna morreu como mártir, o processo de beatificação é
facilitado, porque dispensa a comprovação de um milagre.
ROMARIAS
Cidade de 19 mil
habitantes na divisa de Pernambuco, Santana do Cariri tem se beneficiado com a
causa. O local onde nasceu e morreu a candidata a primeira beata do Ceará virou
destino de romeiros.
Devota de
Benigna, a prefeita Danieli Abreu (PSL) até doou uma estátua da menina para ser
colocada na entrada do município.
A região já é
conhecida por atrair fiéis do padre Cícero Romão Batista (1844-1934), outro
santo “extraoficial” –que não é reconhecido pela Igreja Católica com o título.
O padre Cícero
nasceu no Crato e foi radicado na cidade vizinha de Juazeiro do Norte. Chegou a
ser afastado da igreja em 1889, após ficar famoso por ter feito um suposto
milagre, e só foi perdoado no ano passado.
Em Santana do
Cariri, as romarias organizadas em devoção a Benigna começaram há 16 anos e
acontecem em outubro, mês em que a menina morreu. Ano passado, segundo os
organizadores, a celebração religiosa atraiu 20.000 pessoas.
“Desde que nasci
ouço falar de Benigna. Minha mãe sempre rezou muito por ela e é devota. Ano
passado, quando teve um C.A. [câncer] de mama, fez promessas para Benigna e
hoje ela já está bem de saúde”, diz Ypsilon Félix, 22, um dos organizadores do
evento.
Segundo o padre Lemos,
Benigna “já é santa na consciência do povo de Santana”. Na beira da estrada em
que ela morreu, foi construído um santuário de calcário onde as pessoas que
dizem ter alcançado graças põem ex-votos –amuletos que representam a parte do
corpo curada.
Em 2013, o corpo
de Benigna foi exumado e foram feitos exames, inclusive para saber se ela
continuou virgem. O resultado foi positivo, de acordo com Lemos.
O chanceler
Armando Rafael diz que o processo continua a correr em Roma, com novos pedidos
de documentos, que são entregues à Santa Sé pelo bispo do Crato dom Fernando
Panico.
A campanha no
Ceará por Benigna ocorre num momento em que se fala da “cultura do estupro” no
país, após o estupro coletivo cometido por 33 homens contra uma adolescente de
16 anos no Rio de Janeiro e depois de vários casos registrados no Piauí.
Folha de São Paulo - 15/06/2016
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